quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Perguntas aos presidenciáveis

Com o risco de rebaixamento afastado, todas as atenções no Clube de Regatas do Flamengo se voltam às eleições.

Através da nossa página no Facebook, bolamos oito perguntas impessoais, a serem entregues aos candidatos à presidência Rubro-Negra, focando na relação Flamengo - Torcida - Estádio. 

As perguntas foram pensadas em conjunto por: Diego Lima, Elias Lopes, Henrique Monnerat Mendonça, Julio Florindo e Mateus Carvalho.

Publicaremos as respostas seguindo a ordem de recebimento dos e-mails respondidos.

Como estamos com dificuldade de entrar em contato com todos os presidenciáveis - alguns não têm nenhum contato na internet -, atualizaremos o andamento de envio dos e-mails ao final desta postagem.

Se acharem interessante fazer alguma "pressão" via twitter, facebook ou e-mail, para que os candidatos se empenhem em responder...

Então, eis as perguntas:

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"Os investidores não podem esquecer que o futebol, antes de ser bom produto, é uma grande paixão. Esta tem seus próprios caminhos." - TOSTÃO

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É sabido que o futebol brasileiro caminha rumo à profissionalização. 

O conceito de "Sócio-torcedor" e o desejo de termos estádios modernos e confortáveis são comuns nos discursos dos candidatos à presidência de praticamente todos os clubes brasileiros. No entanto, vemos poucas pessoas ponderando em adaptar essas idéias (que foram praticadas primeiramente na europa) à cultura brasileira e, mais especificamente, às particularidades de cada clube. Raramente vemos algum clube consultando a torcida para traçar o perfil de como esta vê sua relação com o estádio. E, baseadas nessa relação "Clube - Torcida - Estádio", é que foram pensadas as perguntas abaixo.

1) É cada vez mais comum ouvirmos dirigentes justificando o aumento do preço dos ingressos com o argumento de que, um espetáculo de tal magnitude tem um preço de custo muito alto, e que na Europa, os clubes profissionais têm boa parte da receita oriundas das bilheterias. 

No Brasil, temos presenciado o fenômeno do esvaziamento dos estádios andando lado a lado com o aumento do custo dos ingressos, e, além do público pequeno, de cinco anos pra cá temos observado um público mais "frio" e "burocrático", ficando como raridade o que antes era normal: a torcida pulsando, cantando e fazendo sua festa com intensidade, vigor e paixão.

No caso do Flamengo, a opinião deste blog (http://tinyurl.com/acadestx) é a de que o aumento do preço dos ingressos afeta sua torcida de maneira mais profunda, pois ataca os símbolos da construção da identidade Rubro-Negra (de ser o time do povo), afastando do estádio personagens clássicos como o mulambo, o favelado, o sem-dente, etc, figuras que vêm das classes C, D e E. A consequência disso, poderia ser um "esvaziamento de símbolos, significados e representação", mais ou menos o que acontece com a Seleção Brasileira hoje.

Fala-se no "custo do espetáculo", sem considerar a torcida e sua relação com o time no estádio como de suma importância para o evento, como se essa relação não tivesse consequências fora do jogo. Muitas vezes a Nação confia mais nela mesma do que no time; ela é a protagonista do espetáculo; ela é quem atrai inúmeros turistas para os jogos do Flamengo, os quais buscam presenciar suas festas e a tão falada mística; ela é patrimônio da Cidade.

Hoje, existem clubes que separam parte de seus ingressos a preços populares, como o Borussia Dortmund (30% dos assentos) e, no Brasil, recentemente, o São Paulo.

Como o candidato pretende lidar com essa questão "Ingressos caros + Profissionalismo + Torcida passiva + Afinidade Enfraquecida" X "Ingressos populares + Menos arrecadação + Torcida ativa + Afinidade fortalecida"?

2) O que o candidato acha das modificações feitas pelo Governo no Maracanã e da maneira como a discussão foi conduzida pelas autoridades?

3) Como o candidato vê a relação "Flamengo <-> Maracanã"? E caso o Maracanã deixe de ser efetivamente a casa do Flamengo, o candidato pensa em tentar viabilizar um estádio próprio? Se "sim", o que acha de consultar a torcida junto aos arquitetos para fazer um estádio que esteja de acordo com as necessidades de uma partida de futebol, evitando assim, um estádio "frio" (http://tinyurl.com/acadesty) e que não favorece/engrandece as nuances de uma partida, por exemplo, como o Engenhão?

4) Já ouvimos no Flamengo, algumas vezes, o discurso de que a falta de estádio impossibilitaria um projeto de sócio-torcedor. No entanto, vemos o Fluminense quebrando este argumento. 

O candidato pensa em viabilizar um programa de sócio mais em conta, ou um sócio-torcedor, onde o mesmo não teria direito ao uso do clube, mas teria direito ao voto e benefícios na compra de ingressos como um dia exclusivo e meia-entrada? 

5) O projeto de sócio-torcedor, comum na Europa, em muitos casos garante ao clube a venda total de ingressos antecipados, o que gera receita antecipada, fideliza o público, fortalece os laços entre torcida e time, e, de quebra, evita problemas de logística como filas e cambistas. É uma tendência que parece inevitável, principalmente para times de torcida grande.

No entanto, exclui tanto o torcedor ocasional, "modinha" - que depois pode se tornar um torcedor fiel -, quanto o que não é assíduo por não ter como comprar o pacote para todos os jogos.

O que acha da idéia de fazer uma venda "mista", reservando uma boa fatia para os sócios-torcedores, outra para a venda via internet e uma parcela para a venda tradicional nas bilheterias, fazendo assim com que exista a chance de qualquer indivíduo ir ao estádio, mesmo que este não seja favorecido financeiramente e/ou não tenha cartão de crédito e acesso/afinidade com as compras online? 

Até como ação de propaganda, não seria interessante para um time que se diz e é visto como um símbolo do "povão", não se fechar apenas aos sócios-torcedores?

6) Existe hoje, por parte das autoridades e de setores da imprensa, uma tentativa de propagar idéias de "educação", onde seria "de bom tom" assistir os jogos sentados. Existe também uma pressão dos patrocinadores dos clubes, para que coíbam bandeiras, faixas, dentre outros artifícios que possam atrapalhar a exposição de suas marcas presentes nos estádios. Qual a posição do candidato em relação a esses conceitos?

7) Dentre inúmeros problemas que ocorrem do lado de fora do estádio, destacamos a atitude da Polícia Militar para com o torcedor. É consenso que algumas parcelas da torcida tenham costumes violentos, mas, não é raro vermos policiais agindo com truculência em situações desnecessárias. Spray de pimenta, cassetete e agora, os choques elétricos, sendo utilizados até entre crianças, a qualquer suspeita de aglomeração "indesejada".

O que o presidente do Flamengo pode e deve fazer para atenuar essa relação? E dentro do estádio? O que acha de abrir mão da Polícia e contratar segurança particular?

8) As torcidas organizadas tendem a serem vistas como organizações violentas, "selvagens", dentre outros adjetivos que remetem a condutas indesejáveis no ambiente esportivo. Com razão, autoridades e imprensa abominam atitudes violentas dos membros destas e buscam punir e identificar tanto os indivíduos quanto as instituições envolvidas nos confrontos.

No entanto, não dão os créditos às organizadas na hora de enaltecer suas festas, mosaicos, cantos, bandeiras, bandeirões e faixas, imagens muito presentes na imprensa para promover os jogos

Como o candidato pretende se relacionar com as torcidas organizadas? Recebe apoio oficial de alguma?

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14/11 | 17h: - 1ª tentativa para conseguir o contato de todos os candidatos.
14/11 | 18h: - E-mail e notificação no twitter enviados à chapa do candidato Ronaldo Gomlevsky.
14/11 | 18h: - Endereço de e-mail pedido via twitter à chapa do candidato Eduardo Bandeira de Mello, já que não conseguimos contato através do telefone da assessoria de imprensa.
14/11 | 18:50h: - Endereço de e-mail pedido via site da chapa do candidato Lysias Itapicurú, através da seção "contato".
14/11 | 19h: - Endereço de e-mail pedido via site da chapa da candidata Patrícia Amorim, através da seção "contato".
19/11 | 10:30h: - O candidato Lysias Itapicurú envia um endereço de e-mail para recebimento das perguntas, as quais, foram enviadas em torno de 13:40.
19/11 | 13:50h: - Tentativa de contato com os candidatos que ainda não responderam, através de suas respectivas páginas no facebook.
20/11 | 03:15h: - E-mail enviado para a candidata Patrícia Amorim (amorim15007@gmail.com), através do endereço encontrado em sua página do facebook, página e e-mail estes, ainda voltados à candidatura para vereadora.

RESULTADO FINAL: NENHUM PRESIDENCIÁVEL RESPONDEU ÀS PERGUNTAS. 

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Uma torcida com um time

Flamengo 2 x 1 Atlético Mineiro (26/9/2012)

O Engenho de Dentro, talvez, pela primeira vez, recebeu o time titular do Flamengo sem desfalques.

Oficialmente, fomos 39.060(+11) presentes, dos quais, 34.116 pagaram pelo ingresso com preço médio de R$15,60, gerando uma renda de R$532.060 para os cofres Rubro-Negros. Recorde de público e renda do Flamengo no ano.

Tudo começou uma semana antes, quando recebemos a notícia de que a diretoria do clube, motivada pelo desespero que é rondar a zona do rebaixamento - e/ou seria por motivos eleitoreiros, buscando ganhar a simpatia da nossa maioria que, normalmente, devido ao valor dos ingressos, não pode ir ao estádio? - resolveu reduzir o valor dos ingressos pela metade. Soma-se a isso o fato de o Atlético Mineiro, além de rival histórico, ter em seu elenco Ronaldinho Gaúcho, jogador que, por incompetência da diretoria,  machucou-nos com vontade. 

Na segunda-feira que precedeu a partida, fomos ao Tijuca Tênis Clube garantir nossos ingressos e, ainda na fila, sentimos que este jogo seria especial. Fila grande formada por garis; executivos; estudantes de escolas públicas e particulares; dentre outros. Nós, Rubro-negros de todos os tipos, os quais unidos, formamos a sumida Nação, comemorávamos o "perrengue" da fila, "problema-privilégio" nosso.

Na quarta-feira, chegando à Central do Brasil, parecia que voltávamos no tempo: nossos trens lotados de alegria, com aquela felicidade no olhar que é típica daqueles para os quais o clube tem um significado maior. E, ao saltarmos na estação do estádio, a redenção: invadimos e cantamos com intensidade nossos hinos, dos atemporais aos da moda. Olhando para a ala sul do Engenhão, tomada por outros de nós, e ainda processando a atmosfera, nosso corações não tinham dúvidas... iríamos ganhar a partida.

Nós, a massa; tanta gente diferente junta... Ousamos dizer que pouquíssimos setores da sociedade carioca não eram conosco ali. E o mais impressionante é que, nesse momento, não existe esse negócio de "meu espaço", "público x privado"; somos apenas vários corpos se ajustando como podem, nos aturando por uma causa maior.

Depois da "resenha" com os amigos, e de sofrer, para não perder o costume, um pouquinho de truculência da PM, entramos no estádio e constatamos: somos grande e poderosa novamente, como há muito tempo não éramos. 

A partida é dramática, com dinâmica absurda e intensidade estonteante. Corremos como há muito tempo não víamos e, em dado momento, nos perguntamos: somos nós que empurramos o time ou somos estimulados por ele? Pra que resposta? O que importa de verdade, é que, de novo, vestidos de vermelho e preto, calçamos as chuteiras e pisamos o gramado com as nossas vozes, desconstruindo essa fronteira do mundo "real", nos mundos "imaginário" e "simbólico", que é o que nos interessa.

Corre! Vira! Domina! Amacia! Vai no Léo! Porra Love! LADRÃO!!! UHHHHHHH... pega o rebote...

... silêncio...               

... aquele  1 segundo de silêncio...

... o fôlego...
  
GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLLLLL!!!                                              
POOOOOOOOOOOOOOOOOOOOORRRRRRRRRRRRRAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!

O abraço; o soco no ar; o tapa no amigo; a ligação do irmão que ficou em casa; os cantos de felicidade!!!
A certeza de que valeu a pena. 

ACABA JUIZ!!! FILHO DA PUTA, ACABA LOGO!!! 

AÊEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE!!! PORRAAAAAA!!!

... cantamos muito...

A vitória, jogando bem, frente a um adversário forte com uma torcida apaixonadíssima que veio ao Rio em grande número numa quarta-feira, além de apontar um final de ano menos tenso, carimba a grande festa que foi matar a saudade de nós mesmos; lembrarmos acerca de "o que queremos ser". O descer das rampas se transformou num desfile de carnaval  - sem enredo vendido - e, nesse fuzuê, tivemos a certeza:

O Flamengo não é um time como uma torcida. O Flamengo é uma torcida com um time.

E estamos há muito tempo jogando desfalcados.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Tentando entender o vazio, do Engenhão e de significados. (parte 2)

O ingresso caro afasta grande parte dos torcedores brasileiros dos estádios.

Esta reflexão, de tão óbvia e repetida, já se tornou jargão entre os torcedores, assim como algumas das suas consequências: torcida elitizada; impossibilidade de acompanhar o time em vários jogos seguidos devido ao grande impacto no orçamento; público "itinerante", o qual, por não estar familiarizado com os ritos, cantos, dentre outras manifestações tidas como típicas do ambiente, não fazem a diferença como torcida; perda e dificuldade na perpetuação das tradições; dentre muitas outras.

No caso do Flamengo em particular, creio que as consequências sejam ainda mais intensas, pois, afetam diretamente na base de construção da identidade de sua torcida.

Dentre os inúmeros motivos que nos levam a escolher o time do coração, creio que um dos mais importantes seja a afinidade do indivíduo com a identidade do clube. Esta, é constituída por símbolos - os quais não necessariamente representam fielmente o perfil da torcida como um todo - que reduzem milhões de indivíduos a uma "personalidade coletiva".

O modo como foram construídas as identidades das torcidas dos quatro grandes clubes do Rio daria um belo objeto de estudo¹, mas, para mim, o que importa agora é tentar reconhecer os "símbolos-pilares" dessas "personalidades coletivas" e refletir acerca do impacto que os ingressos caros têm sobre cada uma delas.

A identidade da torcida do Fluminense foi construída sob a imagem de uma "torcida de elite", tanto financeira quanto intelectual. De acordo com uma pesquisa² feita pelo IBOPE, os tricolores são constituídos em sua maioria por torcedores das classes A e B, ou seja, a imagem de uma torcida "bem resolvida" financeiramente tem relação com a realidade exposta pelas estatísticas da pesquisa; e como sabemos que no Brasil, quase sempre, acesso à educação de qualidade custa caro, podemos concluir que a imagem de "torcida de elite" intelectualmente também tem fundamento. É comum encontrarmos torcedores das Laranjeiras dizendo-se orgulhosos por terem a sede mais luxuosa da Guanabara ou por torcerem para o mesmo time do Chico Buarque, Jô Soares, Pedro Bial, dentre outras personalidades. 

O Vasco, dos grandes clubes do Rio, é o único sediado na zona Norte - região da cidade com menor   concentração de renda, junto com a zona Oeste -, e talvez, por isso, a construção da identidade de sua torcida se deu sob a imagem de ser "o time da zona norte", do subúrbio³, além, claro, de ser o "time de português". Como a pesquisa do IBOPE não expõe estatísticas sobre a concentração das torcidas geograficamente, e por não ter encontrado nenhuma referência a um estudo desses, ouso usar minhas impressões cotidianas como referência. De acordo com elas, a torcida do Vasco é realmente muito presente nas zonas Norte e Oeste da cidade e pouco presente entre os moradores da zona Sul; percebi também que, no bairro onde moro (Bairro de Fátima), localidade povoada por muitos portugueses e seus descendentes, há uma concentração altíssima de cruzmaltinos, a ponto de suspeitar que, aqui, sejam maioria. Ou seja, existe uma coerência entre os símbolos da torcida cruzmaltina e minhas impressões acerca dela.

A torcida do Botafogo tem em sua identidade algo muito peculiar: é a única no Rio cujos símbolos-pilares não estejam no âmbito sócio-econômico-geográfico, e sim, na esfera da personalidade do indivíduo. Normalmente, o alvinegro é conhecido (e se reconhece) por ser supersticioso; reclamão; pessimista; razoável conhecedor da história do seu clube; fanático; dentre outros. Por não poder ser analisada através de estatísticas sócio-econômicas, creio que a construção da identidade da torcida alvinegra tenha ainda mais mistérios que as outras. Fica a dica para os cientistas sociais alvinegros.

A Torcida Rubro-Negra, apesar de predominante em todas as classes sociais, teve sua identidade construída com símbolos oriundos das classes menos favorecidas economicamente. O mulambo, o favelado, o bandido, o sem-dente, o criolo, o mascote "urubu", dentre outros, são personagens-símbolos essenciais na  imagem do "ser rubro-negro". Junta-se a eles, o fato do Flamengo ser a maior torcida do Brasil - e 58% da torcida carioca² - e temos aí o "time do povo". Muitos argumentam que este título é uma falácia, já que a maioria dos sócios do clube são moradores do Leblon e adjacências, "bem-resolvidos" financeiramente. Mas essa pequena (e poderosa) parcela da torcida, não faz parte, hoje, dos símbolos-pilares da torcida Rubro-Negra. Se conectarmos as informações de que "a Torcida do Flamengo é a maioria da população carioca e predominante em todas as classes sócio-econômicas", e que "a maioria da população carioca não é 'bem favorecida' financeiramente",  vemos que há uma coerência entre a identidade da torcida e a realidade exposta pela pesquisa².

Então, por ser a torcida cujos símbolos-pilares de sua identidade sejam oriundos das classes menos favorecidas financeiramente - exatamente a parcela do público que vêm sendo excluída dos estádios -, creio que a Nação Rubro-Negra seja a mais prejudicada com tal política.

Sendo totalmente romântico, ouso dizer que no imaginário do Rubro-Negro, o Flamengo era a única chance da massa se sobrepôr à elite; a única possibilidade humana de uma certa justiça social, um pouco de socialismo no cotidiano; era a chance de muitos trabalhadores outrora explorados, irem à forra e vencerem, juntos, seus patrões; era o momento onde o favelado tinha orgulho de gritar de onde veio; do negro, em coro, gritar sem vergonha o orgulho de ser.

E agora, essa parcela da torcida, não mais se reconhece ao ver, através da televisão, o público que frequenta o estádio nos jogos. E, creio que, aos poucos, caso não haja mudança, essa identificação, esse reconhecimento, irá diminuir; e no longo prazo... não gosto nem de pensar.

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¹ Ainda não li mas, mesmo assim, sem firulas, recomendo o livro: "O clube como vontade e representação - O jornalismo esportivo e a formação das torcidas" de Bernardo Buarque de Holanda.

² http://www.netvasco.com.br/news/noticias15/arquivos/20090607pesquisatorcidas.PNG

³ Já encontrei torcedores afirmando que o Vasco seria "o verdadeiro time do povo", já que, em tese, por ser localizado numa região com menor concentração de renda, teria uma torcida majoritariamente mais pobre. Porém, por não ser usual e amplamente reconhecida, tanto pela sua torcida, quanto pelas demais, não considero esta característica como um pilar na construção da identidade da torcida cruzmaltina. Mas, para efeito de comparação, a a pesquisa do IBOPE indica que a torcida do Vasco é constituída em sua maioria por torcedores das classes A, B e C, evidenciando aí, uma diferença entre a imagem em questão e as estatísticas do estudo.

domingo, 26 de agosto de 2012

Tentando entender o vazio, do Engenhão e de significados. (parte 1)

Desde que o Maracanã acabou e o Engenhão se tornou casa oficial dos times da cidade, ouço e vejo profissionais do meio esportivo tentando explicar o porquê dos públicos pífios terem se tornado rotina. E, até agora, sem exceção, todas as justificativas ficaram no âmbito da logística: ingresso caro; público mal acostumado com o Maracanã; estádio "longe"; violência; etc. 

Considero todas plausíveis, mas, creio que a principal delas, que afasta de fato a grande maioria dos torcedores do estádio, é o valor do ingresso. 

Associo a esta alguns motivos que não estão no âmbito material (mas que têm causa e/ou consequência nele), os quais seriam, principalmente, o enfraquecimento (ou a não-valorização) do canto e da atmosfera do estádio e dos símbolos e estereótipos que compõem a construção das "imagens/identidades" publicamente reconhecidas de cada torcida. Não sou cientista social, mas, como leigo, me aventuro a tentar escrever sobre. 

O Engenhão é um estádio que não foi planejado para futebol. É um estádio olímpico, onde a torcida  fica separada do campo por uma imensa pista azul, cor esta que predomina também nas cadeiras do estádio. Apesar deu não possuir conhecimento científico algum sobre cromoterapia, creio que a cor azul não combine com o clima de estádio - exceto quando cor do seu time -, pois, já ouvi falar (e sinto) que ela gera em nós humanos sensações relacionadas a calmaria e, por isso, é indicada para decoração de quartos e ambientes onde pretende-se descansar. Uma pessoa que não frequenta estádios e que tem como referência informativa a TV, rádios e jornais, pode até achar sua aplicação nos estádios boa, pois, supostamente, acalmaria os ânimos dos anunciados violentíssimos torcedores; o que se revela como desinformação, já que, normalmente, as tão faladas brigas acontecem fora e longe dos estádios. Além da faixa ser azul e de afastar o torcedor do campo, ela impossibilita que o torcedor-espectador da TV, veja e ouça a torcida, o que consequentemente, não passa a atmosfera do que rola fora do gramado, não gerando neste o desejo de estar presente, de experimentar a intensidade única de se estar no meio de uma torcida, fator este que também é atenuado, atrapalhado, por outro aspecto do projeto do estádio: o tratamento acústico que não valoriza o canto.

No aspecto acústico, o Engenhão é a antítese do finado Maracanã.

Seu formato "semi-caixote" (por conta dos vãos laterais) associado à distância das arquibancadas para o campo e à angulação do teto, são uma catástrofe. O modelo caixote é interessante e bastante utilizado mundo afora. Seu formato de cubo "sem tampa", super compacto, deixa a torcida muito próxima do gramado e gera uma reverberação sonora intensa que causa um fenômeno interessante: o torcedor, ao ouvir a torcida a qual faz parte cantar alto, fica ainda mais animado e tende a cantar mais alto ainda, num efeito cascata, coletivo, que só para quando o fôlego acaba. Pressão total. No caso do Engenhão, por ser um caixote "descompactado", e ainda ter suas laterais vazadas (um "semi-caixote"), essa pressão inexiste, pois, esse efeito de "realimentação sonora" não acontece, e a torcida raramente se "auto-empolga", já que ela não se ouve por conta da dissipação do som. Quem está na ponta de um setor, não ouve o que a outra está cantando, por exemplo. E ainda tem o teto com a angulação para cima, fazendo com que o som se dissipe ainda mais. O finado Maracanã, apesar de gigante, era compacto; tinha as arquibancadas em curva, o que viabilizava um canto "uno" de todo o estádio, já que todos se ouviam; e o teto, com ângulação para baixo, aumentava ainda mais a reverberação, gerando uma experiência única para o torcedor e, por isso, vontade de voltar.

No que diz respeito à localização do estádio, creio que o argumento dele ser longe é falho. Longe de quem? O Engenhão só é mais longe que o Maracanã para uma parte da cidade - mais exatamente, Zona Sul, Centro e Tijuca -, e para os municípios depois da ponte Rio-Niterói, e coisa de 15 minutos de diferença. Para a outra parte (e maioria) da cidade do Rio e municípios da Baixada, ele é mais próximo que o Maracanã. O que de fato pode contar neste aspecto é que o Maracanã é um estádio centralizador: teve uma cidade construída no seu entorno, baseada na sua funcionalidade; já o Engenhão foi um estádio construído, apertado, dentro de uma cidade, tendo assim, o seu acesso mais complicado e limitado.

Mas, será que ninguém se lembra dos públicos mínimos também no Maracanã em sua reta final pré-"reforma"? 

Na próxima ponderação escrita, compartilharei pensamentos sobre como o ingresso caro enfraqueceria certos estereótipos e símbolos essenciais para a construção das imagens e identidades (me perdoem os cientistas sociais pelo termo) das torcidas dos quatro grandes clubes do Rio, o que a longo prazo, poderá ter efeitos irreversíveis.

Até.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Papos despretensiosos...

Flamengo 0 x 0 Portuguesa (26/7/2012)

Ir a jogo em final de mês requer ponderações profundas.
 
O ingresso está caro, muito caro; e em pleno dia 26, seja qual for o mês, o termo se torna aplicável a quantias que, lá pro dia 5 não pesariam tanto no bolso. No meu caso, alguém que já entrou com vontade no cheque especial por conta do Flamengo, tirar o pouco que resta (ou o que não tenho) para uma ida ao estádio é uma atitude merecedora de muita reflexão. Pra piorar, estava no meio de um trabalho, naquele pique, querendo terminar logo. Mas aí lembrei que são, no máximo, três jogos por mês em casa, e que o próximo jogo que poderia comparecer será no dia 19 de Agosto, no clássico contra o Vasco. Aí amigo, é muita saudade dessa atmosfera toda que motiva este humilde espaço. Camisa de 92 vestida (n°5, do Maestro Junior), dinheiro sacado e vamos nós.

No trem, diretão da Central, percebo um grupo de rubro-negros falando coisas do tipo: "onde saltar?"; "demora muito?"; "como é o engenhão?", etc; ou seja, turistas - e isto não necessariamente significa que morem fora da cidade. Mas era uma dupla de pai e filho curitibanos e uma família de Manaus, estes, pela 1ª vez vendo o Flamengo num estádio. Que tristeza. Neste estádio, nessas condições de torcida sem identificação com o clube e com esses jogadores. No entanto, é sempre bom saber que tem rubro-negro espalhado por este país.

Saindo do trem, deixei-os na Ala Sul e segui meu rumo em direção à Ala Leste. A fila para comprar ingresso estava grande e eu não estava munido com uma carteirinha, digamos, "digna", que daria a certeza do direito à meia-entrada. Não tinha grana para pagar o preço inteiro. Então, como quase sempre faço, segui para a torcida organizada a qual faço parte para tentar comprar lá. A minha relação com a T.O. é muito simples: já estive lá por acreditar nela; hoje não levo Fé no ideal, mas estou pelos amigos, os quais já passaram comigo muita coisa nessa vida de torcedor. Não se despreza uma história dessas assim. Chegando no responsável pelos ingressos, fui informado que a diretoria do clube, por motivos que não posso, hoje, escrever aqui, não nos vendeu. Mas, o presidente da torcida, pessoa de talento para administração absurdo, além de ser "fechamento", saiu correndo atrás de colegas com direito pleno à meia-entrada, cambistas, diretores do clube, dentre outros, a fim de tentar comprar ingressos para nos repassar.  Depois de muita correria, aos 19' do 1°T, entramos no estádio, pagando o preço da meia-entrada, sem ágio, e com certo conforto devido ao pequeníssimo público presente à partida - exatos 8 mil presentes.

Eu era um desses. Jogo do Flamengo com esta quantidade de gente, é sinal de que alguma coisa - na verdade, muita coisa - está errada; e o time é uma delas. Não vou nem perder tempo escrevendo sobre ele, porque não tem como analisar nada. Foi uma das piores peladas que já vi na minha vida. Assustadora. Talvez, o ponto alto da partida tenha sido o papo com os amigos no intervalo da partida, e o assunto predominante foi política.

Nessa época de eleições, seja pleito federal, municipal ou no próprio clube, os candidatos ligados ao Flamengo fazem ofertas às TOs em troca do apoio político. E toma-lhe especulação: "Fulano ofereceu tanto a Ciclano"; "Beltrano agora tem cargo dentro do clube"; e assim segue o papo, com a única certeza sendo a de que "tem caroço nesse angu". E, para quem, apesar da idade, não é iniciante no ramo, certos fatos deixam muito nítido o modo como a teia política vai sendo tecida. É organizada que não reclama da presidente; outra que, antes fechada com ela, de repente, rompe; etc. E pensar que em outros tempos protesto na Gávea era sinônimo de quebra-quebra e bomba. No nosso caso, estávamos discutindo sobre qual posição iremos tomar. Complicado. E a pelada segue... horrivelmente; impiedosamente.

O feioso 0x0 se consolida e, ao descer do estádio com nosso material - bandeiras, roupas, bateria, etc - percebo que hoje não teria a redentora carona para a Tijuca. Então, junto ao amigo mais "fechamento" que tenho nesse universo futebolístico, demos "um corre" para pegar o último trem. Subir aquela rampa correndo, depois de um dia inteiro, com o guarda botando pressão, é o máximo de emoção que o Flamengo me proporcionou hoje. Fui o último a entrar na estação.

Além do meu camarada, e de um segurança, no nosso vagão havia apenas mais uma pessoa. Um senhor, angolano, Mengão, gente da gente... seu Marlos. Conversa vai, conversa vem, chegamos no nosso destino com o assunto "especulação imobiliária". Esse cara, há mais de 10 anos aqui no Brasil, já morou em Santa Teresa, Engenho de Dentro e agora mora nos arredores ali da Estação da Leopoldina. Para quem não sabe, parte de Santa Teresa, e, principalmente, o Bairro de Fátima, eram grandes redutos de angolanos, a ponto de você encontrar, neste último, bancas vendendo cartões telefônicos "Angola Card" e agências de viagens com nomes do tipo "Brasil-Angola". Como o preço do aluguel subiu muito nos últimos dois anos, eles sumiram dessa região.

É... não é só do estádio que uma parcela específica da população está sumindo...

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Uma noite fria, que não deveria ser esquecida

Flamengo 0 x 3 Corinthians (18/7/2012)

Frio, muito frio para um morador do rio. 

Saio de casa 1h40min antes do início da partida, meio cá, meio lá, sem ter certeza se estava fazendo um bom negócio. Somando o ingresso(R$20 com uma carteira de estudante... digamos... deixa pra lá...), o trem(R$5,80) e um x-tudo com guaravita(R$5,50), lá se vai quase metade do que gastamos de mercado em uma semana aqui em casa. Nesse momento, o que se passa na minha cabeça é: 
"quantas horas trabalhei para juntar isso...";
"imagine um pai com dois filhos...";
"já fui pro Maracanã pagando R$1 na geral; bons tempos...".
Vale a constatação de que, o x-tudo+guaravita seria consumido apenas 5h depois de ter saído de casa, já que, no estádio, um cachorro quente(apenas salsicha e pão)+guaravita sai pela bagatela de R$8.
Juntando os custos, o frio, e o time do Flamengo, que hoje não motiva muito, a distância entre a Lapa e a Central é um caminho com alto risco de desistência. Caminho vazio, frio. Mendingos, trabalhadores, garis, doentes no Souza Aguiar; as cotias, patos, gambás do Campo de Santana; a Central, que é aquela coisa; o trem...

Os tempos mudaram. Ingressos caríssimos; o público mudou. O trem direto para Japeri (que pára no Engenhão) com uma quantidade razoável de rubro-negros, número este que em época não muito distante, seria mais do que suficiente para que a viagem fosse animada, esquentando a noite. Mas ninguém canta o hino, o "conte comigo mengão", "dá-lhe, dá-lhe Mengo" dentre outras peças do repertório rubro-negro. Infelizmente, tem sido recorrente este fato. Em outras ocasiões, na descrença do que via, tentei puxar... em vão. E o trem segue seu rumo, frio, numa cadência acelerada, sem parar na Mangueira, no Sampaio, Engenho Novo, parando apenas na Silva Freire, que é quase Méier, mas não é. Chegando à estação do estádio, enquanto os torcedores desembarcavam, o maquinista fecha rápido as portas, como se fosse numa estação qualquer, fazendo com que vários torcedores tenham de ir a Cascadura e pegar o trem de volta, que demora. Os amigos zoam.

No caminho da estação até a bilheteria, passando pela Ala Sul, vazia, me deparo com uma cena, no mínimo, curiosa: um candidato a vereador (o 2° no percurso), pede votos cercado por uma equipa de loiras, belas loiras, com muitas curvas e, sobre a principal curva de cada, aquela tida como indispensável no nosso país, uma tela de LED mostrando os feitos do candidato, enquanto diretor de futebol do Flamengo. Após isto, compro meu ingresso, falo com os amigos que estavam tomando suas cervejas nos quintais das casas em frente ao setor Leste - uma das pouquíssimas coisas que deixarão saudades do Engenhão - e subo.

O Engenhão é um estádio frio.

Lá em cima, um vento sudoeste arrepia a rapaziada. Encontro mais amigos; rola aquela resenha tradicional e me posiciono em pé na escada, para não atrapalhar nenhum dos torcedores sentados logo abaixo de uma organizada. Gente sentada perto das baterias de TOs? Os tempos, definitivamente, mudaram...

Começa o jogo. As organizadas mais atrapalham do que ajudam. A Raça puxa uma música, a Urubuzada outra, a Manguaça outra e a Nação12, bem, só ouço o barulho dos pratos "argentinos". E a Jovem, foi? O que os ouvidos percebem é apenas uma massa sonora, um canto sem vigor, cansado, sem consenso, sem definição, deixando claro que as instituições organizadas não abrem mão de seus interesses individuais para apoiar a camisa que veste os 11 do limitado time. Só este fato, para mim, é humilhação. Sorte nossa que a Gaviões devia estar de ressaca, pois, mesmo em período de férias, veio em número reduzido para seus padrões, senão, quem diria, poderíamos sair ainda mais humilhados das arquibancadas.

Logo se vê que o Flamengo é um time meio... meio... meio time, sem um meia de ofício, sem saber o que fazer. O Corinthians facilmente faz 2x0 no 1°T. No intervalo, já sabíamos que não ganharíamos o jogo. Na Torcida do Flamengo acontece essas coisas... a gente sabe; o gol do Pet, o América do México, dentre outras situações, para quem está atento, a atmosfera do estádio denuncía o que está por vir. Mas nem era preciso a mística; a diferença entre os times era gritante, e o Corinthians, com facilidade e autoridade, faz o 3° e, creio eu que por camaradagem do Emerson Sheik, não fez o 4ª de pênalti.

Um fato que me chamou a atenção no estádio é que a proporção de negros, pobres e mal vestidos na torcida do Flamengo era de, na ciência exata do chutômetro, uns 5 para cada 100 brancos/morenos claros. Nenhum sem dente, mulambo, geraldino querendo aparecer, dentre outras figuras-símbolos fáceis de outros tempos. Apenas uma torcida "pasteurizada", fria, sem gosto como leite desnatado. Tiraram a gordura que dava o gosto da Torcida. E isto é mau.

Na volta, peguei carona com uns colegas até a tijuca e, de lá, o 238 até a Lapa. Parada na kombi do Cabeça, o melhor x-tudo do bairro. A chapa fria, devido ao gás ter acabado, faz com que o tempo de espera seja um pouco maior do que o usual. Cabeça, nordestino, corinthiano, me pergunta: "E aí, gostou?"; eu rio e respondo que não. Enquanto como, resolvo dar uma volta pela Lapa, fria, para espairecer. Espio o show do "O Rappa" no Circo Voador e, na volta pra casa, próximo ao Bar da Cachaça, a cena que salva e esquenta a noite:

Um morador de rua, apenas de camisa, junto de dois amigos, todos certamente alcoolizados, me chama e com um enorme sorriso sem dentes, diz:

"Prezado, fica triste não que vai melhorar, vai melhorar."

Amém.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Considerações Iniciais

Olá rapazeada; Saudações.

Este blog foi criado no intuito de compartilhar experiências de um torcedor, desde o momento em que ele sai de casa, até o seu retorno.

Saudações.